Como o microplástico afeta nosso cérebro?

Pequenas partículas de plástico chamadas microplásticos foram encontradas se acumulando no cérebro humano, mas não há evidências suficientes para dizer se elas são prejudiciais a nós, disseram especialistas.

Essas partículas de plástico quase invisíveis são encontradas em todos os lugares, do topo das montanhas ao fundo do mar, no ar que respiramos e nos alimentos que comemos. Elas também foram encontradas espalhadas por todo o corpo humano, nos pulmões, no coração, na placenta e até mesmo atravessando a barreira hematoencefálica.

A crescente ubiquidade dos microplásticos surgiu como uma questão fundamental no desenvolvimento do primeiro tratado do mundo para combater a poluição plástica, com a próxima rodada de negociações da ONU marcada para ocorrer em Genebra na semana que vem.

O impacto dos microplásticos e até mesmo dos nanoplásticos menores na saúde humana ainda não é totalmente compreendido, mas os cientistas já estão estudando essa questão relativamente nova na ciência.

O estudo mais proeminente sobre microplásticos no cérebro foi publicado na revista Nature Medicine em fevereiro.

Cientistas analisaram tecido cerebral de 28 pessoas que morreram em 2016 e 24 pessoas que morreram no ano passado no Novo México, EUA, e descobriram que a quantidade de microplásticos nas amostras aumentou ao longo do tempo.

O estudo ganhou as manchetes do mundo todo quando seu principal autor, o toxicologista americano Matthew Campen, disse à mídia que eles haviam encontrado o equivalente a uma colher de microplástico no cérebro.

Campen também disse à Nature que estima que os cientistas poderiam recuperar cerca de 10 gramas de plástico de um cérebro humano doado — comparável a um giz de cera não utilizado.

"A especulação supera em muito as evidências"

Mas outros pesquisadores pediram cautela no tratamento das descobertas do pequeno estudo.

"Embora esta seja uma descoberta interessante, ela deve ser interpretada com cautela até uma verificação independente", disse o toxicologista Theodore Henry, da Universidade Heriot-Watt, na Escócia, à AFP.

"Atualmente, as especulações sobre os potenciais efeitos das partículas plásticas na saúde superam em muito as evidências", acrescentou.

Oliver Jones, professor de química na Universidade de Tecnologia RMIT da Austrália, disse à AFP que "não há dados suficientes para tirar conclusões definitivas sobre a presença de microplásticos no Novo México, muito menos em escala global".

Ele também achou "bastante improvável" que o cérebro pudesse conter mais microplásticos do que a quantidade encontrada no esgoto bruto estimada pelos autores do estudo.

Jones observou que os participantes do estudo estavam com saúde perfeita antes de suas mortes, e os próprios cientistas reconheceram que não havia dados suficientes para mostrar que os microplásticos estavam causando danos.

"Se (e esse é um grande 'se' na minha opinião) tivermos microplásticos em nossos cérebros, ainda não há evidências de que eles sejam prejudiciais", acrescentou Jones.

Além disso, o estudo, de acordo com o site Neuroscience News The Transmitter, observou imagens duplicadas, mas especialistas ressaltaram que isso não afeta as principais descobertas do trabalho.

"Mal podemos esperar pelo conjunto completo de dados"

A maioria dos estudos sobre os efeitos dos microplásticos na saúde são de natureza observacional e, portanto, não podem estabelecer uma relação de causa e efeito.

Um estudo desse tipo, publicado no ano passado no New England Journal of Medicine, descobriu que o acúmulo de microplásticos nos vasos sanguíneos estava associado a um risco aumentado de ataque cardíaco, derrame e morte em pacientes com aterosclerose.

Experimentos também foram conduzidos em camundongos, incluindo um estudo publicado na Science Advances que encontrou microplásticos em seus cérebros.

Cientistas chineses relataram que microplásticos podem causar coágulos sanguíneos raros no cérebro de camundongos ao bloquear os vasos sanguíneos, mas enfatizaram que pequenos mamíferos são muito diferentes dos humanos.

Uma revisão de 2022 da Organização Mundial da Saúde concluiu que “as evidências são insuficientes para determinar os riscos à saúde humana” dos microplásticos.

No entanto, muitos especialistas em saúde citam o princípio da precaução, dizendo que a ameaça potencial dos microplásticos exige ação.

Um relatório do Instituto de Saúde Global de Barcelona sobre os riscos à saúde dos microplásticos, publicado esta semana antes das negociações do tratado, observa que “as decisões políticas não podem esperar por um conjunto completo de dados”.

“Ao agir agora para limitar a exposição, melhorar os métodos de avaliação de risco e identificar grupos vulneráveis, podemos resolver esse problema urgente antes que ele se torne uma ameaça maior à saúde pública”, afirmou.

A produção global de plástico dobrou desde 2000 e deve triplicar até 2060.